Solidariedade Sem Terra: Acabar com a fome no Brasil não é uma utopia

As ações do MST vêm para combater a atual realidade do Brasil, que já tem mais de 19 milhões de brasileiros com fome ou em situação de insegurança alimentar moderada e grave, segundo estudo da FAO de 2020
Adriana Oliveira, integrante MST. Foto: Jade Azevedo

Por Jade Azevedo
Da Página do MST

Desde o início da pandemia, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está com a campanha permanente de solidariedade que já doou 882 toneladas de alimentos, só no Paraná. As ações são motivadas pelo combate à fome e apoio a trabalhadores, pessoas em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar que aumentaram durante a pandemia e o desgoverno do atual presidente Jair Bolsonaro, com sua política excludente e genocida.

Além das doações quase mensais de cestas de alimentos, o movimento, através da ação “Marmitas da Terra”, entregou 100 mil refeições à população de rua, comunidades e ocupações urbanas de Curitiba e Região Metropolitana em 19 meses de ação.

O coletivo que reúne trabalhadores do campo e da cidade, hoje já tem mais de 230 voluntários e traz a reflexão da produção de alimentos agroecológicos como forma de contradizer o que o sistema hegemônico defende – que o agronegócio é o maior produtor de comida do mundo.

Adriana Oliveira, integrante do MST, coordenadora do Marmitas da Terra é uma das pessoas que organiza os mutirões de plantio e colheita que leva os voluntários da cidade para o Assentamento Contestado, Lapa. Para ela, é importante que eles entendam e conheçam o trabalho do camponês e camponesa, como os alimentos chegam até a nossa mesa e como os territórios do movimento funcionam.

Fazer parte do trabalho de plantar, colher, preparar e entregar a marmitas para quem precisa é refletir sobre as relações de trabalho e a relação indivíduo e sociedade. “Nós temos um projeto de vida que produz respeitando todas as esferas de produção, na relação com a natureza e com as pessoas, enxergando quem recebe o alimento como pessoa e não como caridade”, defende.

Todos os sábados, os voluntários saem às seis da manhã de Curitiba e vão para o assentamento Contestado. Lá, são acompanhados por agrônomos da Escola Latino Americana de Agroecologia (ELAA) que ensinam como funciona o método agroflorestal de produção de comida, prepararam a terra, plantam, fazem manejo das hortas e a colheita dos alimentos que irão fazer parte do cardápio das marmitas na quarta.

Isabela Belotto, voluntária no coletivo desde 2020, conta que começou vindo porque tinha noção de que muitas pessoas estavam precisando, “a gente não tem justiça social neste país e está cada dia mais difícil. As pessoas estão passando fome e entregar um alimento de qualidade para quem precisa, não é só entregar uma marmita”, explica.

Isabela Belotto, voluntária. Foto: Jade Azevedo

Os alimentos colhidos chegam na cozinha no sábado à tarde. O preparo das marmitas começa na terça e termina na quarta. Entre lavar, picar, cozinhar, montar e entregar as marmitas, cada um vai aprendendo sobre soberania alimentar e todo o trabalho que existe para que os alimentos cheguem à geladeira e nas marmitas, comida que para muitas pessoas é a única refeição do dia.

“Existe uma diferença imensa entre solidariedade e caridade. Ceder o meu tempo como voluntária terça preparando os alimentos, sábado indo plantar, carpir e colher o alimento que eles vão comer, e eu também, faz toda a diferença. É um ato de ser solidário, é muito mais justo do que qualquer outra coisa”, conta Isabela.

Adriana Oliveira explica que o projeto começou com a intenção de matar a fome imediata da população em situação de rua e das famílias desempregadas que estavam na periferia de Curitiba. Durante o processo de fazimento das marmitas, mais pessoas, organizações, sindicatos, entidades, grupos religiosos e associação de moradores foram se somando.

A cada entrega de marmitas nas comunidades e ocupações urbanas novas relações se formavam o que trouxe oportunidades para incentivar a criação de cozinhas, hortas e padarias comunitárias nestes territórios para combater à fome, mas também como luta pelo direito à alimentação saudável e moradia digna.

A primeira cozinha comunitária foi a da União de Moradores e Trabalhadores/as (UMT), em agosto de 2020 que, a partir da doação de cargas de gás do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (SINDIPETRO PR/SC) e de alimentos feita pelo MST, foi instaurada na Associação dos Moradores da Vila Maria e Uberlândia, periferia de Curitiba. Desde então, todas as quintas, a cozinha prepara mais de 100 refeições para os moradores dos bairros em volta.

 2021: um ano de construção

O coletivo, junto com a União Solidária – articulação de movimentos sociais, sindicatos, entidades e coletivos que organizam iniciativas de ajuda humanitária desde o início da pandemia – construíram duas agroflorestas urbanas, a primeira numa ação do 01 de maio, Dia Internacional do Trabalhador, feita no Centro de Assistência Social Divina Misericórdia no bairro Sabará, região vulnerável em Curitiba.

O espaço, que antes era um aterro, se transformou na Agrofloresta Papa Francisco, onde foram plantadas pelo menos 10.600 mudas de legumes, verduras e temperos e 200 mudas de árvores frutíferas e nativas.

Em menos de três meses foi possível ver o resultado. A agrofloresta fez a sua primeira grande colheita para doação no dia 19 de agosto. Foram colhidas 12 caixas de hortaliças para serem levadas à Cozinha Comunitária da União de Moradores e Trabalhadores/as (UMT).

A segunda agrofloresta, feita em junho, está localizada no Chacrinha, Alto Boqueirão, bairro periférico da zona Sul de Curitiba onde vivem cerca de 500 famílias. No local trabalhadores, sindicatos, arquidiocese de Curitiba, MST, coletivo Marmitas da Terra, Cooperativa Terra Livre e moradores construíram uma horta coletiva, em um terreno baldio de aproximadamente 1.700 metros quadrados, com 50 canteiros de verduras, legumes e árvores frutíferas para que as famílias possam complementar sua alimentação com comida sem veneno.

“Pode parecer que as 100 mil marmitas é apenas um número, mas elas possibilitaram outras ações, e são nestas ações (de entrega de marmitas, mutirão, criação de hortas e construção de cozinhas comunitárias) que as pessoas se aproximam para saber como elas podem se somar neste trabalho. Para a gente é importante que essas pessoas participem de todo o processo”, afirma Adriana.

Giordano Bruno, professor e voluntário. Foto: Leonardo Henrique

Giordano Bruno, professor e voluntário, ressalta que para ele fazer parte do coletivo “Marmitas da Terra” é estar no lugar certo com as pessoas certas, “junto com o MST temos uma perspectiva de solidariedade com o nosso povo, visando uma ruptura com essas estruturas que causam a fome, desemprego. As 100 mil marmitas são uma grande conquista da prática da solidariedade. É só o começo de um trabalho necessário para superarmos toda essa realidade”, afirma.

Para Adriana o mais importante é que todos entendam e reflitam que matar a fome e a miséria não pode ser uma pauta de lucro. As ações do MST vêm para combater a atual realidade do Brasil, que já tem mais de 19 milhões de brasileiros com fome ou em situação de insegurança alimentar moderada e grave, segundo estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) de 2020. Sem falar na inflação sobre os alimentos e o aumento do desemprego.

Essas pautas, para ela, são para se pensar e trabalhar por um novo projeto de construção de um país e não de uma possibilidade de lucro. “A vida preservada é um gesto de solidariedade e se a gente neste coletivo conseguiu fazer o que fez em 19 meses de ação com a união da classe trabalhadora, a gente já pensa de antemão que 2022 deve de fato ser um ano para seguir buscando, lutando e ousando para reconstruir esse país”, ressalta.

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