Ode ao burguês

Le-Déjeuner-dhuîtres Jean - de François de Troy

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
– Um colar… – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês religião e que não crê em Deus!

Ódio vermelho burguês de giolhos,
cheirando relho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fu! Fora o bom burguês!…

(Mário de Andrade – “Pauliceia desvairada” – 1922)

Fonte: Revista Prosa Verso e Arte

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Mário de Andrade não desanimou de um Brasil Moderno, cultural e politicamente

O Tropicalismo é expressão do Modernismo cultural brasileiro (indígena, negro – este maioria da população, ainda “sem lenço nem documento”), em décadas recentes, com personagens presentes no cenário musical-cultural: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Rita Lee, Mutantes.
Também marcam o Tropicalismo o poeta Torquato Neto, o artista plástico Hélio Oiticica, dos Parangolés (descendente de alagoanos), a cantora Nara Leão e tantos outros, na vanguarda de um país moderno, culturalmente, e até (pasmem) pós moderno.
Mário de Andrade, “O Homem do Pau Brasil”, principal idealizador da Semana de Arte Moderna, é o que jamais desanimou de um país moderno, e escreveu ainda “Pauliceia desvairada”, “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, “Amar, verbo intransitivo”, “Há uma gota de sangue em cada poema”, “Meditações à margem do Tietê”… É autor de uma única música: “Viola quebrada”.
                                                                                          (Iremar Marinho) 
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