Jorge de Lima
Quem não canta? Quem? Quem não canta e sente?
-Chama que já passou mas que assim mesmo é chama…
A saudade, eu a sinto infinda, confidente.
Que de longe me acena e fascina e chama…
Mágoa de todo o mundo e que tem toda gente:
Uns sorrisos de mãe… uns sorrisos de dama…
…Um segredo de amor que se desfaz e mente…
Quem não teve? Quem? Quem não os teve e os ama?
Olhos postos ao léu, altivagos, à toa,
Quantas vezes tu mesmo, a cismar, de repente
Te ficaste gozando uma saudade boa?
Se vês que em teu passado uma saudade adeja,
-Faze que uma saudade a ti seja presente!
-Faze que tua morte uma saudade seja!
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Em “Soneto da Saudade”, um Jorge de Lima romântico, quase irreconhecível, mas genial
Um Jorge de Lima quase irreconhecível para quem conhece o poeta das memórias da infância, dos “poemas negros” e de sua fase religiosa, é como se apresenta o conteúdo deste “Soneto da Saudade”.
Romântico, bem distante do realismo social da “poesia dos escravos” e do surrealismo de seus poemas de “Invenção de Orfeu” e demais obras, mas não menos genial, neste soneto, o poeta se atém ao tema “saudade”, afeto ao individualismo descompromissado de estética mais metafórica.
Mas, em vez de “excluir” Jorge de Lima do limbo de poeta das formas e metáforas memoráveis, “Soneto da Saudade”, construído sob o rigor do formalismo parnasiano, só vem confirmar, com sua descontração no conteúdo, a multifacetada “paleta” de criação do médico do “Consultório Lunar”, como referiu a ele, num poema, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Iremar Marinho