A votação expressiva de Le Pen demonstra o tamanho da crise na França, que apenas se acirrou com a eleição. Apesar da diferença final, o pleito foi disputado e a extrema-direita saiu muito fortalecida, conseguindo capitalizar sobre as políticas neoliberais de Macron, alvo de enormes protestos no país.
Emmanuel Macron, na votação de segundo turno, tornou-se o primeiro líder francês a ser reeleito em 20 anos. Ele e Le Pen avançaram para o segundo turno depois de terminarem em primeiro e segundo lugar, respectivamente, entre 12 candidatos que concorreram no primeiro turno em 10 de abril.
Embora a disputa tenha sido uma revanche do segundo turno presidencial francês de 2017, grande parte da Europa assistiu à eleição com desconforto. A presidência de Le Pen teria mudado fundamentalmente o relacionamento da França com a União Europeia e o Ocidente, em um momento em que o bloco e seus aliados confiam em Paris para assumir um papel de liderança no enfrentamento de alguns dos maiores desafios do mundo –principalmente a guerra na Ucrânia.
E apesar do discurso de Macron para os eleitores de uma França globalizada e economicamente liberal à frente de uma União Europeia musculosa tenha vencido a visão de Le Pen de uma mudança radical para dentro, os 41,45% dos eleitores que votaram nela colocaram a extrema-direita francesa mais perto do presidência do que nunca.
O desempenho de Le Pen é a mais recente indicação de que o público francês está recorrendo a políticos extremistas para expressar sua insatisfação com o status quo. No primeiro turno, os candidatos de extrema-esquerda e de extrema-direita representaram mais de 57% dos votos.
Muitos dos insatisfeitos com os dois últimos candidatos ficaram em casa. A taxa de abstenção de eleitores para o segundo turno foi de 28%, a mais alta para um segundo turno desde 2002, segundo o Ministério do Interior francês.
Os apoiadores de Macron, reunidos no Champs de Mars, à sombra da Torre Eiffel, no centro de Paris, explodiram em aplausos maciços quando a notícia foi anunciada. A celebração foi significativamente mais discreta do que após a vitória de Macron em 2017, embora ele tenha caminhado mais uma vez para fazer seu discurso ao hino europeu, comumente chamado de “Ode à Alegria”.
Em seu discurso de vitória, Macron prometeu ser o “presidente de cada um de vocês”. Ele, então, agradeceu a seus apoiadores e reconheceu que muitos, como em 2017, votaram nele simplesmente para bloquear a extrema-direita.
Macron disse que seu segundo mandato não seria uma continuação do primeiro, comprometendo-se a resolver todos os problemas atuais da França.
Ele também se dirigiu àqueles que apoiaram Le Pen diretamente, dizendo que ele, como presidente, deve encontrar uma resposta para “a raiva e as divergências” que os levaram a votar na extrema-direita. “Será minha responsabilidade e de quem me cerca”, disse Macron.
Le Pen fez um discurso de concessão meia hora após a primeira projeção, falando com seus apoiadores reunidos em um pavilhão no Bois de Boulogne, no oeste de Paris. “Um grande vento de liberdade poderia ter soprado sobre nosso país, mas as urnas decidiram o contrário”, disse Le Pen.
Ainda assim, Le Pen reconheceu o fato de que a extrema-direita nunca teve um desempenho tão bom em uma eleição presidencial. Ela chamou o resultado de “histórico” e uma “vitória brilhante” que colocou seu partido político “em uma excelente posição” para as eleições parlamentares de junho. “O jogo ainda não acabou”, disse ela.
Disputa intensa na campanha
Macron e Le Pen passaram as últimas duas semanas cruzando o país para atrair aqueles que não votaram neles no primeiro turno. Macron teve que convencer os eleitores a apoiá-lo novamente, apesar de um histórico misto em questões domésticas, como a forma como lidou com os protestos dos coletes amarelos e a pandemia de Covid-19.
Já a campanha de Le Pen tentou explorar a ira do público sobre um aperto no custo de vida, fazendo uma campanha dura para ajudar as pessoas a lidar com a inflação e o aumento dos preços da energia –uma grande preocupação para o eleitorado francês– em vez de confiar no anti-islâmico, posições anti-imigração e eurocéticas que dominaram suas duas primeiras tentativas de ganhar a presidência em 2017 e 2012.
Ela se apresentou como uma candidata mais mainstream e menos radical, embora muito de seu manifesto tenha permanecido o mesmo de cinco anos atrás. “Parar a imigração descontrolada” e “erradicar as ideologias islâmicas” eram as duas prioridades de seu manifesto, e analistas disseram que muitas de suas políticas sobre a UE colocariam a França em desacordo com o bloco.
Embora Le Pen tenha abandonado algumas de suas propostas políticas mais controversas, como deixar a União Europeia e o euro, suas opiniões sobre imigração e sua posição sobre o Islã na França –ela quer tornar ilegal o uso de lenços na cabeça por mulheres em público– não mudou.
“Acho que o véu é um uniforme imposto pelos islâmicos”, disse ela durante o único debate presidencial, na quarta-feira (20). “Acho que a grande maioria das mulheres que usam um não pode fazer o contrário na realidade, mesmo que não ousem dizer isso.”
Mas Vladimir Putin foi talvez sua maior responsabilidade política. Antes de a Rússia invadir a Ucrânia, Le Pen apoiava abertamente o presidente russo, chegando a visitá-lo durante sua campanha de 2017. Seu partido também fez um empréstimo de um banco russo-tcheco há vários anos que ainda está pagando.
Embora tenha condenado a invasão de Moscou, Macron atacou Le Pen em suas posições anteriores durante o debate. Ele argumentou que ela não podia ser confiável para representar a França ao lidar com o Kremlin.
“Você está falando com seu banqueiro quando está falando com a Rússia. Esse é o problema”, disse Macron durante o debate. “Você não pode defender adequadamente os interesses da França neste assunto porque seus interesses estão ligados a pessoas próximas ao poder russo.”
Le Pen disse que seu partido foi forçado a buscar financiamento no exterior porque nenhum banco francês aprovaria o pedido de empréstimo, mas a defesa aparentemente não teve repercussão.