Morte e Vida Severina (Auto de Natal Pernambucano)

JOÃO CABRAL DE MELO NETO

 

(Fragmento)

 

— Compadre José, compadre,

que na relva estais deitado:

conversais e não sabeis

que vosso filho é chegado?

Estais aí conversando

em vossa prosa entretida:

não sabeis que vosso filho

saltou para dentro da vida?

Saltou para dentro da vida

ao dar seu primeiro grito;

e estais aí conversando;

pois sabei que ele é nascido.

 

— Todo o céu e a terra

lhe cantam louvor.

Foi por ele que a maré

esta noite não baixou.

— Foi por ele que a maré

fez parar o seu motor:

a lama ficou coberta

e o mau-cheiro não voou.

— E a alfazema do sargaço,

ácida, desinfetante,

veio varrer nossas ruas

enviada do mar distante.

— E a língua seca de esponja

que tem o vento terral

veio enxugar a umidade

do encharcado lamaçal.

— Todo o céu e a terra

lhe cantam louvor

e cada casa se torna

num mocambo sedutor.

— Cada casebre se torna

no mocambo modelar

que tanto celebram os

sociólogos do lugar.

— E a banda de maruins

que toda noite se ouvia

por causa dele, esta noite,

creio que não irradia.

— E este rio de água cega,

ou baça, de comer terra,

que jamais espelha o céu,

hoje enfeitou-se de estrelas.

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