Viver na bolha, termo tão desgastado da economia e da medicina, de repente, virou realidade, na vida das pessoas, diante da pandemia mortal do Covid19. Vivendo verdadeiramente nessa bolha, minha rotina, – como a de milhões de brasileiros, – tem sido limitada a olhar pelas janelas da sala, do computador e da TV.
A música de alguns anos da recifense Banda Eddie revelou-se tragicamente profética: “Você com medo da rua e a rua toda com medo de você”. Vizinhos que eu via todos os dias sumiram do visor da rua deserta. Do amigo que mora em frente a minha casa, depois de dois meses sem vê-lo, a saudação para mim, apressada, de dentro do carro e por trás da máscara, foi: “Estamos sobrevivendo!”
No mundo de máscaras, as janelas reais e virtuais nos mostram que as mais trágicas são as caras de cinismo dos que deveriam assumir a responsabilidade institucional de conduzir a coletividade, no enfrentamento da peste, e, no entanto, se omitem. Inaceitável que, na gestão da pandemia, passado mais de um ano, ainda não existam vacinas em quantidade suficiente para a imunização coletiva e medicamentos antivirais seguros para tratamento da Covid e prevenção da mortandade.
Chavão ou lugar comum, a paráfrase de “Notícia de Jornal”, de Haroldo Barbosa e Luís Reis, tornou-se pertinente diante da pandemia: a dor da gente, enfim, sai no jornal. A guerra da comunicação é maior mesmo do que a própria guerra das vacinas. Entre ivermectinas, clisteres de ozônio e outras panaceias terraplanistas, avoluma-se o número de vidas abreviadas pela incompetência e omissão da gestão política e administrativa.
Paradoxal que a produção de notícias, em vez de contribuir para a promoção do conhecimento, que por si resultaria em descobertas científicas e mais recursos técnicos para o combate à pandemia, degenera, sob o comando do negacionismo, em ideologização estéril e na epidemia massiva de desinformação, que só fazem recrudescer a pestilência e a inevitada recessão econômica global.
Na década de 90, quando uma epidemia voltou a atemorizar o país, com a dengue, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, – na redação da Gazeta de Alagoas,- o diretor Milton Coelho da Graça, que havia sido editor-chefe do jornal O Globo, reuniu a equipe e anunciou as recomendações a serem adotadas, em termos de cobertura jornalística e de cuidados preventivos.
Em tom grave, Milton da Graça nos afirmou que as consequências da dengue prenunciavam ser catastróficas, mas fez a ressalva de que os jornalistas, que se situariam numa categoria aparentemente “inume”, não seriam atingidos pelos rigores da epidemia. Embora a dengue não tenha o potencial devastador da Covid19, restou demonstrado o quanto foi fundamental, no combate aos males, a atuação positiva de governos ao lado das ciências.
A História demonstra que, epidemias mortais de cólera que assolaram o Brasil, na segunda metade do Século 19, foram enfrentadas com os recursos sanitários e de comunicação, mesmo ainda pouco desenvolvidos. Os resultados nem sempre foram os esperados ou desejados pelas comunidades atingidas, mas o comportamento oficial, diferente de hoje, ofereceu lições que agora são ignoradas.
O fim da pandemia ainda é incerto, e o pós-Covid ainda prenuncia ser muito sombrio para a humanidade. A sensação é que o mundo regrediu; no Brasil, com maior gravidade, ante a degeneração da gestão pública, como miasmas que ainda vão espalhar por décadas as consequências desses novos e aterradores “tempos do cólera”.
- Publicado originalmente no Blog do Sávio Almeida