Keyler Simões – Jornalista e Produtor Cultural, amigo orgulhoso de Nelson da Rabeca
O bairro era bem afastado, Taperaguá, mas no meio do caminho encontramos com o tal artesão: Nelson da Rabeca, com aquele sorriso arrebatador. Nos encantamos com ele, eu e Marcos, pois Alexon já o conhecia. Nessa época, Seu Nelson ia todos os dias à Praia do Francês, caminhando, para vender suas rabecas. Saía com ao menos duas e sempre as vendia.
Nessa época, um turista com chapéu de cowbói o encontrou no Francês e se encantou com Nelson e em seguida o chamou para ir trabalhar com ele em Santa Catarina, onde esse turista tinha um empreendimento. Nelson da Rabeca topou e no dia em que ia viajar, Dona Benedita, sua esposa, adoeceu e Nelson desistiu da viagem. O Cowbói??? Era Beto Carrero. O empreendimento? Beto Carrero World.
Seu Nelson era um iluminado e com muitos amigos. Alguns anos depois deste nosso encontro, ele estava fazendo um serviço em casa e ao levantar um saco de cimento deslocou a coluna e ficou acamado por meses. Daí surgiu o movimento “Amigos do Nelson” uma série de ações para ajudar na arrecadação de dinheiro para ajudá-lo, uma das coisas mais lindas que aconteceram em nossa história. Foram centenas de amigos que se juntaram, realizando shows, bazares, encontros… tudo para ajudá-lo.
Em seguida, alguns destes amigos, como Catarina Labouré e o Sesc Alagoas, o inscreveram no projeto Sonora Brasil, do Sesc Brasil, que selecionava artistas em várias partes do país, para viajar o Brasil tocando por cachês justos, e destes cachês, seu Nelson juntou dinheiro e comprou sua casa, no bairro da Poeira, mais próximo do Centro Histórico de Marechal Deodoro, onde ele montou sua oficina e morava com sua esposa e parceira Dona Benedita, e onde fazia questão de receber os amigos. Nessa época, o amigo José Reges era quem o produzia e cuidava.
Nelson participou duas vezes do Sonora Brasil, que foi quem deu uma projeção nacional e internacional ao mestre.
Nelson da Rabeca viajou o mundo, encantou Gilberto Gil e artistas como Hermeto Pascoal, Mestre Salustiano, dentre outros.
Em 2003 gravei e lancei um CD chamado “Música Popular Alagoana”, com Nelson da Rabeca, Tororó do Rojão e Mestre Verdelinho, além do meu amigo-cumpadre Jurandir Bozo. Lembro que no dia da gravação das músicas com Tororó do Rojão, também gravamos com Seu Nelson da Rabeca.
Ao chegar no estúdio (Looping Estúdio) do meu amigo Dácio Messias, Nelson foi para o aquário onde Tororó já ia gravar a voz, e lá ficou, admirado, admirando e achando graça daquelas loucuras que Tororó fazia, mesmo no estúdio. Tororó percebeu o encanto de Nelson e, com o coração de ouro que também tinha, cantava e ficava brincando com Nelson da Rabeca. Foi um encontro incrível e emocionante.
Liguei para Nelson, como sempre fazia todos os anos, no último dia 12 de março, para felicitá-lo pela passagem de mais um aniversário. Não pude falar com ele, pois ele estava com o aparelho de audição com defeito, mas falei com Dona Benedita que transmitiu a ele meus abraços, ouvi apenas o sorriso dele dizendo: “É o Keyler!??” E sorriu…
Em 2004, o Governo do Estado de Alagoas, na época de Ronaldo Lessa, tinha um programa de divulgação do Estado, Brasil afora, chamado Alagoas de Corpo e Alma, e em uma de suas edições (a maior, na verdade) fomos ao Rio de Janeiro. Patrícia Mourão era a Secretária de Articulação Nacional, responsável pelo projeto, e Edberto Ticianeli era o Secretário de Estado da Cultura.
Uma das ações do projeto foi o show, no Canecão, Alagoas de Corpo e Alma, em que levamos (eu trabalhava com Patrícia na época) dezenas de artistas de Alagoas para o Rio, como Mácleim, Baygon, Junior Almeida, Eliezer Setton, entre outros, que lá se juntaram a Escola de Samba da Mangueira, Dona Odete Lara, Toni Garrido, Fagner, Hermeto Pascoal…
O show contava com artistas locais e nacionais, que de alguma forma tinham um laço com Alagoas. Nelson da Rabeca faria uma breve participação de cerca de 2 minutos e em seguida, a atriz Zezé Mota, entraria no palco e o conduziria para os bastidores. Só que Zezé se distraiu nos bastidores e não percebeu que Nelson havia terminado sua apresentação. As pessoas o aplaudiram e ele ficou lá, no palco em pé… como ninguém apareceu para tirá-lo, ele ergueu a rabeca numa mão e o arco, na outra, como num show de rock. O Canecão quase veio abaixo com tantos aplausos!!!
Em 2004 e 2005 gravamos com ele o documentário Rabequiê, com minha amiga Fernanda Reznik. Fomos até Caruaru (PE) gravar com ele, além de diversas cidades de nosso Estado. Foi nessas viagens que tivemos o prazer de ver seu encontro com o Velho Chico, Rio São Francisco, na cidade de Penedo (AL). Ficou emocionado e com muito respeito pela grandiosidade do rio.
Nelson da Rabeca era um amigo querido, sempre feliz em nos receber. Fará muita falta.
Dona Benedita, força!!!
Nelson da Rabeca fez parte de uma geração brilhante de mestres que contou com: Mestre Venâncio, Verdelinho, Tororó do Rojão, Juvenal Leonardo, Dona Hilda, Mestra Virgínia, Mestra Maria do Carmo, Mestre Ovídio, Mestre Isaldino, Mestre Zé Cícero do Pife, dentre outros. Destes todos, só não convivi com Mestra Virgínia.
Seu Nelson, obrigado por tudo!!!
Fonte: Blog do Keyler