Com anistia negada por Bolsonaro, jornalista Iremar Marinho recorre à nova comissão do governo Lula

Meu pedido de anistia política, que não prescreve e foi negado pelo governo Jair Bolsonaro, deverá reanalisado pela Comissão de Anistia do governo Lula para fazer-se cumprir a Lei (de Anistia) e a CF/88

IREMAR MARINHO DE BARROS

Demitido do cargo, no serviço público federal (concursado), pela Ditadura Militar, sob a acusação de prática de atividades subversivas, eu demorei muito para ingressar com o pedido de anistia política, à qual tenho direito, de acordo com a Constituição Federal e a Lei de Anistia. Meu processo, com as provas da demissão e da perseguição política, foi instruído na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, enviei dados complementares que foram solicitados, e faltava apenas a assinatura presidencial para a concessão.

No governo Dilma Rousseff, havia ainda 10 mil processos para análise da Comissão de Anistia, e ela declarou que concederia, no seu governo, todos os pedidos que fossem aprovados.

Veio então a farsa do golpe fascista contra a presidente Dilma; depois do golpista-tampão Michel Temer, ao assumir Jair Bolsonaro, com claro viés político nazifascista, ele logo reafirmou suas declarações criminosas de apoio a torturadores da Ditadura, sua apologia de regimes e governos antidemocráticos e seu posicionamento radical contra a concessão de anistia política aos cidadãos que foram perseguidos e punidos devido à luta contra o regime militar sanguinário.

Tratou Jair Bolsonaro de retirar a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, como estava na CF, entregando-a à jurisdição da ministra da Mulher e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que também emitiu repetidas declarações estúpidas contra a concessão de anistia aos perseguidos pela Ditatura e que sofreram prejuízos morais e materiais por suas ações políticas, inclusive na clandestinidade.

A implosão da Comissão de Anistiai foi sacramentada com a nomeação de um Coronel do Exército para presidi-la e com a nomeação de membros alinhados à ideologia nazifascista de Jair Bolsonaro, ficando representantes da sociedade civil em minoria no colegiado.

Em suas primeiras decisões sobre concessão de anistia, a ministra Damares Alves incluiu a negação do meu pedido de reparação, – que estava pronto para ser concedido desde o governo Dilma Rousseff,  – dando-me prazo para recorrer, o que não fiz, dada a inutilidade da providência perante um governo parcial e violentador da dignidade humana.

Com a documentação refeita, meu pedido de anistia política, que não prescreve, após ser negado pelo governo Jair Bolsonaro, será enviado para reconsideração ou nova análise, na Comissão de Anistia, nomeada pelo governo Lula, para fazer-se cumprir o que está escrito na Lei (de Anistia) e na CF/88.

Por enquanto, meu repúdio às ditaduras (à de 64, que durou 21 anos, e à de Jair Bolsonaro, que trouxe desastre nunca visto ao país) pela inaceitável espera de mais de 50 anos pela justa reparação a que tenho direito, devido à perseguição política que sofri e pelas consequências pessoais de ter perdido o emprego, na época, e de terem cessado as repercussões financeiras do cargo que exercia no serviço público federal.

DADOS DO MEU DEPOIMENTO À COMISSÃO DA VERDADE JAYME DE MIRANDA

Como reflexo da minha militância de esquerda, na época da Ditadura Militar, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas (ainda no prédio da Praça do Montepio), numa aula do professor Zeferino Lavenère Machado, pai do professor Marcelo Lavenère Machado, eu fiz um comentário, que foi reforçado pelo colega José Gonçalves de Queiroz, afirmando que a Constituição Federal do Brasil era “entre aspas”. Eu me referia aos decretos da Ditadura, que sempre começavam assim: A Junta Militar decreta, e abria aspas para citar a medida discricionária.

Falei isso como ironia e protesto mesmo, na aula de Direito Constitucional. Essa fala minha (e do colega Gonçalves de Queiroz) chegou até a Reitoria, ao reitor, o general Nabuco Lopes, e ao pró-reitor Acadêmico, Medeiros Neto (por meio de espiões da Ditadura, na própria classe), que me chamou e disse: — Olhe, tenha cuidado, o reitor é general de divisão, o 477 está aí e você pode perder o curso.

Em seguida, a Reitoria nomeou uma comissão para analisar a minha atuação como perigoso subversivo, composta pelo capitão Ailton, do Exército, pelo funcionário Dilmar Lopes Camerino, mais outra pessoa.

Eu havia sido aprovado no concurso para agente administrativo da Previdência Social em Alagoas. Durante o treinamento para tomar posse, fui chamado pela Assessoria de Segurança e Informação (ASI) do INPS, quando tive que responder às mesmas perguntas da comissão inquisitória instituída pela UFAL, numa demonstração de que minha ficha de subversivo circulava nas áreas de segurança dos órgãos públicos federais, no Estado. Mas eu assumi o emprego e fui trabalhar no Arquivo da Perícia Médica do INPS, na Rua Melo Moraes, no centro de Maceió.

Seis meses depois, na véspera do Natal de 1976, ano em que eu estava concluindo o curso de Direito, recebi o recado que a diretoria de pessoal do INPS queria falar comigo, com urgência. O diretor de pessoal era Linésio Cavalcante (irmão do ex-governador da Ditadura, general Luiz Cavalcante), que me disse:  – Estou aqui com um relatório dos órgãos de segurança, em mãos, determinando sua demissão sumária do cargo, já assinei a portaria, ontem, como punição por suas atividades não condizentes com interesses do governo.

Reclamei que não havia respondido a nenhum inquérito da Polícia Federal ou do DOPSE sobre atividade subversiva. Linésio Cavalcante disse que se tratava de um caso de segurança nacional e que não precisava de inquérito policial nenhum para me demitir. Eu disse: — Quer dizer que eu vou perder o emprego? Ele então disse, descaradamente, que, se eu quisesse, poderia pedir demissão.

Avisei ao diretor Linésio Cavalcante que iria falar com o superintendente do INPS, Nelson André do Nascimento, para pedir explicações. Ele me disse que podia procurar o superintendente, mas a minha demissão era irreversível. Fui falar com o superintendente, que reafirmou a demissão arbitrária e me disse mais: — Se você quiser exercer a advocacia, procure outro Estado, porque aqui você não vai ter condições de trabalhar. (Consequências semelhantes sofreu o colega José Gonçalves de Queiroz, que, pelo mesmo motivo, respondeu à investigação da comissão nomeada pela Reitoria, e foi demitido do emprego de agente administrativo da própria UFAL).

Já no governo José Sarney, eu fiz o concurso federal para auditor fiscal do Ministério do Trabalho, sendo aprovado em 16º lugar,  havia 40 vagas para a DRT-Alagoas, mas eu nunca fui nomeado auditor fiscal do trabalho, porque minha ficha de perigoso subversivo não recomendava.

ADENDO AO MEU DEPOIMENTO NA COMISSÃO DA VERDADE – Falei com o então deputado José Costa, que me prometeu denunciar a demissão, na Câmara Federal, ressalvando que nada valeria quanto a assegurar o emprego, pois o sistema de repressão da Ditadura poderia me readmitir no INPS e em seguida demitir, “legalmente”, pagando meus direitos.

SOBRE MINHA NÃO NOMEAÇÃO POR SARNEY PARA O CARGO DE  AUDITOR FISCAL – O deputado federal jornalista Albérico Cordeiro interessou-se pelo caso de minha aprovação no concurso para auditor fiscal federal e não nomeação, ao ser informado pelo colega jornalista Dênis Agra. Cordeiro me convidou para viajar com ele a Brasília, fornecendo passagens aéreas, para falar com o então ministro do Trabalho e pleitear minha justa nomeação ao cargo.

Na última hora, Albérico Cordeiro cancelou a viagem a Brasília, me avisando que o Ministério lhe informara ter o presidente José Sarney determinado, em vez de minha nomeação para Auditor Fiscal da DRT-Alagoas, a transferência de minha vaga para a DRT do Amapá, Estado no qual se elegera senador, nomeando, em meu lugar, um apaniguado político seu. Era o governo do Brasil “redemocratizado” seguindo as mesmas práticas fascistas nefastas da Ditadura Militar.

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