IREMAR MARINHO
“Minha faculdade de comunicação foi o antigo Jornal de Alagoas, para o qual fui convidado pelo jornalista José Osmando de Araújo, que era meu colega de classe, na Faculdade de Direito. Osmando considerou que eu tinha facilidade de escrever e me perguntou se eu queria trabalhar como repórter, no JA, do qual ele era editor geral.
Comecei como repórter, em 1974, e reencontrei uma pessoa que foi muito importante para a minha profissão, o jornalista Denis Agra, a quem eu conhecera na política estudantil, na UFAL. Na época ele era revisor do jornal. O diretor Ricardo Neto soube que Denis estava sem emprego e conseguiu a função de revisor para ele.
Quatro anos depois, o Denis Agra foi convidado para trabalhar com o Márcio Canuto, na Gazeta de Alagoas, e me chamou para trabalhar lá também. O Márcio Canuto era o editor geral e o Denis Agra era o chefe de redação, e eu fui para ser editor de Nacional e Internacional. Logo em seguida, o Márcio Canuto me convidou para trabalhar, também, na TV Gazeta, como redator do departamento de jornalismo.
Quando Denis Agra foi convidado pelo Noaldo Dantas para fundar a Tribuna de Alagoas, me convidou também para compor a editoria. Denis Agra era o editor geral, Cláudio Humberto era o chefe de reportagem e eu, chefe de redação.
A Tribuna surgiu para enfrentar o monopólio da Gazeta de Alagoas, com um projeto político-editorial identificado com a oposição de esquerda. Era uma fase nova no jornalismo alagoano.
Eu entrei na Tribuna em 1979 e fiquei até 1987. Quando saí da Tribuna, o jornal já havia sido abandonado pelos seus sócios, que no início eram 20, mas no final ficou somente o senador Teotônio Vilela. O diretor, na época, era o Arnon Chagas, tendo como controlador o então deputado estadual Ronaldo Lessa.
Saí da Tribuna e fui para o Jornal de Hoje (convidado por Jorge Assunção, que queria fazer um novo projeto gráfico-editorial para o veículo), depois fui assessor parlamentar, na Assembleia Legislativa, com o deputado Ismael Pereira, por indicação do colega Denis Agra, a quem substituí, e exerci vários outros cargos, em instituições e no governo do Estado, como assessor, e em agências de publicidade, como redator. Também ainda voltei duas vezes à Gazeta de Alagoas, onde fui chefe de redação e depois editorialista, e à TV Gazeta, onde fui assessor da direção-geral (Pedro Collor), junto com o colega José Elias.
Nos jornais e na TV Gazeta, a presença dos censores, na época da Ditadura Militar, era tão constante que ninguém estranhava mais. Tinha um agente (Sr. Porto) da Polícia Federal que ia diariamente às redações e ficou até amigo dos jornalistas. Ele chegava ao jornal e dizia o que podia sair e o que não podia. A censura também atuava junto à direção do jornal e a gente ficava sabendo pelos diretores, que vinham até a redação e diziam: — Essa matéria não pode sair por recomendação da Polícia Federal.
Houve o caso, na TV Gazeta. Eu era o editor geral de jornalismo da TV, quando o presidente (ditador) Ernesto Geisel visitou Alagoas. O jornalista Joaquim Alves fez as matérias e eu fiz, junto com Plínio Lins, duas manchetes (escaladas) do “Jornal das 7”, em sequência: 1- “Geisel chega a Alagoas” e 2 – “Ratos invadem a Pajuçara”.
Assim que foi ao ar, Pedro Collor me chamou a sua sala e perguntou: — Que chamadas da peste são essas? Como responsável pelo jornalismo, pensei que seria demitido, mas ele chamou o Joaquim Alves, autor das matérias, e disse que ele estava demitido, como também Plínio Lins, que, entretanto, continuaram trabalhando no jornal Gazeta de Alagoas.
Quanto a diretor de jornal, não havia exceção. Todos eles eram coniventes com o regime militar. O único que discordava, em várias circunstâncias, era o Noaldo Dantas, que veio da Paraíba e foi diretor do Jornal de Alagoas e depois da Tribuna e do semanário “Última Palavra”. Noaldo tinha uma visão politica mais aberta, mas o restante achava que a Ditadura estava certa, que era para reprimir mesmo os opositores.
Por causa da censura, o jornal saía sempre ruim, não era o jornal que a gente queria fazer. Eu preparava a página internacional, no Jornal de Alagoas e depois na Gazeta, dando destaque à guerra do Vietnam, mas não era como queríamos. Só saíam sem reparos elogios ao governador do Estado e ao prefeito de Maceió.
Quando era estudante, na UFAL, e fui eleito, em 1973, representante do Diretório Acadêmico de Direito junto ao DCE, eu participava da redação dos jornais da entidade e do diretório da faculdade, e convivia com as lideranças estudantis da época, como Denis Agra, Breno Agra, Jefferson Costa, Fernando Costa, Denisson Menezes, Norton Sarmento, além de Eduardo Bomfim, Raul Pinto Paes e Freitas Neto. A maioria desses colegas havia sido presa pelos órgãos de repressão da Ditadura Militar, como subversivos.
Na faculdade (ainda no prédio da Praça do Montepio), durante uma aula do professor Zeferino Lavenère Machado, pai do professor Marcelo Lavenère Machado, eu fiz um comentário, que foi reforçado pelo colega José Gonçalves de Queiroz, afirmando que a Constituição Federal do Brasil era “entre aspas”. Eu me referia aos decretos da Ditadura, que sempre começavam assim: A Junta Militar decreta, e abria aspas para citar a medida discricionária.
Falei isso como gozação e protesto mesmo, na aula de Direito Constitucional. Essa fala minha (e do colega Gonçalves de Queiroz) chegou até a Reitoria, ao reitor, o general Nabuco Lopes, e ao pró-reitor Acadêmico, Medeiros Neto, que me chamou e disse: — Olhe, tenha cuidado, o reitor é general de divisão, o 477 está aí e você pode perder o curso.
Em seguida, a Reitoria nomeou uma comissão para analisar a minha atuação como subversivo. A comissão era composta pelo capitão Ailton, do Exército, pelo funcionário Dilmar Camerino e outra pessoa.
Eu havia sido aprovado no concurso para agente administrativo do INPS. Durante o treinamento para tomar posse, fui chamado pela Assessoria de Segurança e Informação do INPS, quando tive que responder às mesmas perguntas da comissão instituída pela UFAL, numa demonstração de que minha ficha circulava nas áreas de segurança dos órgãos públicos federais. Mas eu assumi o emprego e fui trabalhar no Arquivo da Perícia Médica do INPS.
Seis meses depois, na véspera do Natal, em 1976, ano em que eu estava concluindo o curso de Direito, recebi o recado que a diretoria de pessoal do INPS queria falar comigo, com urgência. O diretor era Linésio Cavalcante, irmão do ex-governador e general Luiz Cavalcante. Ele me disse que estava com um relatório em mãos, e que por causa dele eu havia sido demitido, que já havia assinado a portaria, no dia anterior, como punição.
Reclamei que não estava sendo acusado de nada e que não tinha respondido a nenhum inquérito da Polícia Federal ou do Dopse. Ele disse que era um caso de segurança nacional e que não precisava de inquérito policial. Eu disse: — Quer dizer que eu vou perder o emprego? Ele então disse que, se eu quisesse, poderia pedir demissão.
Avisei ao diretor Linésio Cavalcante que iria falar com o superintendente do INPS, Nelson André do Nascimento, para pedir explicações. Ele me disse que podia procurar o superintendente, mas a minha demissão era irreversível. E disse mais: — Se você quiser exercer a advocacia, procure outro Estado, porque aqui você não vai ter condições de trabalhar. (Consequências semelhantes sofreu o colega Gonçalves de Queiroz, que, pelo mesmo motivo, respondeu à investigação da comissão nomeada pela Reitoria, e foi demitido do emprego de agente administrativo da própria UFAL).
Já no governo José Sarney, eu fiz o concurso federal para auditor fiscal do Ministério do Trabalho. Fui aprovado em 16º lugar e havia 40 vagas para a DRT Alagoas. Eu nunca fui nomeado auditor fiscal do trabalho, porque a minha ficha de subversivo não recomendava.”
ADENDO AO DEPOIMENTO NA COMISSÃO DA VERDADE – Falei com o então deputado José Costa, ele me disse que denunciaria minha demissão, na Câmara Federal, mas que nada valeria quanto a assegurar o emprego, pois o sistema de repressão poderia me readmitir e em seguida demitir, “legalmente”, pagando meus direitos.
SOBRE NÃO NOMEAÇÃO POR SARNEY NO CARGO DE AUDITOR FISCAL – O deputado federal Albérico Cordeiro interessou-se pelo caso de minha aprovação no concurso para auditor fiscal federal, ao ser informado através do colega Dênis Agra, e havia me fornecido passagens para ir a Brasília, junto com ele, falar com o então ministro do Trabalho, para pleitear minha nomeação ao cargo.
Na última hora, Albérico Cordeiro cancelou a viagem a Brasília, me avisando que o Ministério lhe informara que o presidente Sarney determinou, em vez de minha nomeação para a DRT-Alagoas, a transferência de minha vaga para a DRT do Amapá, Estado no qual se elegera senador, nomeando, em meu lugar, um apaniguado político seu. Era o governo do Brasil “redemocratizado” seguindo as mesmas práticas fascistas nefastas da Ditadura Militar.
INFORMAÇÃO EXTRA DEPOIMENTO NA COMISSAO DA VERDADE – Eu demorei muito para ingressar com o processo de anistia política, à qual tenho direito, de acordo com a Constituição Federal e a Lei de Anistia. Meu processo foi instruído na Comissão de Anistia, enviei dados complementares que foram solicitados, e faltava apenas a assinatura presidencial para a concessão.
No governo Dilma Rousseff, havia ainda 10 mil processos para análise da Comissão de Anistia, e ela declarou que concederia, no seu governo, todos os pedidos que fossem aprovados.
Veio então a farsa do golpe fascista contra a presidente Dilma; depois do golpista-tampão Michel Temer, ao assumir Jair Bolsonaro, com claro viés político nazifascista, logo reafirmou suas declarações criminosas de apoio a torturadores da Ditadura e contra a concessão de anistia a quem foi perseguido porque lutou contra o regime militar.
Tratou Jair Bolsonaro de retirar a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, como estava na CF, entregando-a à jurisdição da ministra da Mulher e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que também emitiu repetidas declarações contra a concessão de anistia política aos perseguidos pela Ditatura.
A implosão da Comissão de Anistia foi sacramentada com a nomeação de um Coronel do Exército para presidi-la e com a nomeação de membros alinhados à ideologia fascista de Jair Bolsonaro, ficando representantes da sociedade civil em minoria.
Em suas primeiras decisões sobre concessão de anistia, a ministra Damares Alves incluiu a negação do meu pedido, – que estava pronto para ser concedido desde o governo Dilma Rousseff, – dando-me prazo para recorrer, o que não fiz, dada a inutilidade da providência.
Com a documentação refeita, meu pedido de anistia, que não prescreve, mesmo que tenha sido negado pelo governo Jair Bolsonaro, está pronto para ser ingressado na Justiça Federal.
Também deverei ter a oportunidade de solicitar a reconsideração da negação e requerer nova análise do pedido, em caso de eleição do presidente Lula, quando a orientação da Comissão de Anistia, com toda certeza, mudará, fazendo cumprir o que está escrito na Lei e na CF.
Por enquanto, só meu repúdio às ditaduras (à de 64, que durou 21 anos, e à atual, de Jair Bolsonaro, prestes a ter fim) pela inaceitável espera de mais de 50 anos pela justa reparação a que tenho direito, devido à perseguição política que sofri e pelas consequências pessoais de ter perdido o emprego, na época, e de terem cessado as repercussões financeiras do cargo que exercia no serviço público federal.