“Duas grandes famílias existiam em União (dos Palmares): a família Sarmento e a família Rocha Cavalcanti. (Não temos parentes destes Cavalcanti. Pelo menos, nunca pesquisamos a respeito. Eles eram ricos, senhores do engenho Anhumas; meu pai, homem pobre, oriundo de Pernambuco).
Os Sarmento eram gente do governo. Naquele tempo, o Coronel Presciliano Sarmento, mais conhecido por Coronel Lelê, era o Vice-Governador do Estado. No Município, desde o prefeito até o juiz de paz, eram todos da situação dominante. Os Rocha Cavalcanti formavam na oposição, uma oposição mais subjetiva do que realista, ainda que radical.
Como todo senhor de engenho, o Coronel Chico Rocha impunha distância no trato social. Quando vinha à cidade, num impecável terno de linho H.J., alvejava por todos os lados. Até o chapéu-do-chile, de abas largas, era um desafio de elegância patriarcal. No tempo de eleições, a oposição abstinha-se. A família Sarmento continuava assim a mandar na terra.
Felizmente, meu pai dava-se bem com todos. O velho Chico Rocha apeava-se do cabriolé à porta da nossa casa e consentia em tomar um café, torrado há bem pouco e feitinho na hora, trazido solicitamente por minha mãe. Era essa uma rara concessão daquele homem cheio de grandezas.
Já quanto aos Sarmento, a coisa era diversa. Tratava-se pessoas simples. Também ricos, os Sarmento não ostentavam magnificência.
Além desses proprietários rurais, uns poucos existiam ainda, menos poderosos. O Coronel Zumba, por exemplo, era um homem bonachão, de corpulência hercúlea. Senhor de engenho, sua propriedade do Bolão distava pouco do centro urbano. Coronel José Bezerra Montenegro era seu nome.
Como o pai de Jorge de Lima (José Matheus de Lima), o Coronel Zumba não pertencia a nenhuma facção política. Conservava neutralidade, entre participantes radicais e intransigentes, como eram os homens do governo e da oposição.
Não era de invejar-se o clima social da terra. Tanto que se tornou famosa a quadrinha:
Macacos foi o meu nome, Santa Maria adotei. Imperatriz fui chamada, União nunca serei
Nunca, porém, houve um atrito sério entre as duas famílias poderosas. Mal se falavam, mas luta mesmo, com o cortejo de vinditas tão comuns no Nordeste, não perturbou a coexistência dos Sarmento e dos Rocha Cavalcanti nas margens do Mundaú.
Quando caíram os Maltas no Estado, os Sarmento perderam suas posições no Município. Deu-se a ascensão dos oposicionistas.”
(Povina Cavalcanti, no livro “Volta à Infância – Memórias” – Rio de Janeiro – 1972, paginas 60 e 61).