Flores de cana *

Iremar Marinho publicou seu livro de poemas "Flores de Cana" em 2020.

Flores de cana alastram
o solo ácido de sangue
dos mortos do latifúndio.

O sol forte é testemunha
dos canaviais-partidos
(o doce terror dos campos).

O Mundaú chora mágoas
de gente amarga habitante
do doce-mar sem limites.

O sangue de demerara
pulsa veia diabética
de álcool e mel cabaú.

Sabe da veia o açúcar,
do sangue sabe o veneno.
Sabe do clima este sol.

Os afluentes jorrando,
a cana se alastrando
(o doce por ironia).

A água morre de química,
no Mundaú, vau de lágrimas
dos ilhéus/vidas cortadas.

Os cemitérios, às margens,
dos mortos de shistosoma,
de bala e colesterol.

Por este rio escorre
o desespero dos mortos
partidos como os canais.

Os afogados conspiram
nas angras, dunas e mangues
(os enforcados, às margens).

O rio torto costura
a mortalha desses náufragos
das tibornas, das caldeiras.

A lagoa, estuário
de mortes (vidas negadas):
cenário de funeral.

A barra do mar-represa
é tumba desses ilhéus
do Vale da Flor de Cana.

(Livro de pomas de Iremar Marinho publicado em 2020)

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