JORGE DE LIMA
Vejo sangue no ar, vejo o piloto que levava uma flor para a noiva, abraçado com a hélice. E o violinista em que a morte acentuou a palidez, despenhar-se com sua cabeleira negra e seu estradivárius. Há mãos e pernas de dançarinas arremessadas na explosão. Corpos irreconhecíveis identificados pelo Grande Reconhecedor. Vejo sangue no ar, vejo chuva de sangue caindo nas nuvens batizadas pelo sangue dos poetas mártires. Vejo a nadadora belíssima, no seu último salto de banhista, mais rápida porque vem sem vida. Vejo três meninas caindo rápidas, enfunadas, como se dançassem ainda. E vejo a louca abraçada ao ramalhete de rosas que ela pensou ser o paraquedas, e a prima-dona com a longa cauda de lantejoulas riscando o céu como um cometa. E o sino que ia para uma capela do oeste, vir dobrando finados pelos pobres mortos. Presumo que a moça adormecida na cabine ainda vem dormindo, tão tranquila e cega! Ó amigos, o paralítico vem com extrema rapidez, vem como uma estrela cadente, vem com as pernas do vento. Chove sangue sobre as nuvens de Deus. E há poetas míopes que pensam que é o arrebol.
(De “A Túnica Inconsútil”)
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Poeta Jorge de Lima e “O grande desastre aéreo de ontem”
O poeta alagoano palmarino JORGE DE LIMA, admirado pelo também poeta Manoel de Barros como o que exaltou “as pobres coisas”, transitou do parnasianismo ao modernismo e ao surrealismo.
Cultivou, além da poesia caudalosa, romance, ensaio, biografia e artes plásticas, sendo um dos pioneiros, no Brasil, da introdução de colagens artísticas, vertente de grande repercussão na Europa.
JORGE DE LIMA, que enternece com sua poesia de memórias da infância, vivida na sua “Cidade da Madalena” (União dos Palmares – Alagoas), e que exercita o modernismo mais autêntico, é o mesmo poeta de criações surpreendentes como “Álbum de família”, “O Grande Circo Místico” e “O grande desastre aéreo de ontem”.
Neste poema surrealista, escrito em “prosa”, os críticos literários viram JORGE DE LIMA, “em estado onírico”, descrevendo um quadro do pintor surrealista russo Marc Chagall, de quem ele era admirador.
O trágico do poema, – revelando a face vidente do poeta alagoano surrealista (e de múltiplas fases estéticas), – é que a humanidade está submetida, perenemente, à repetição do ficcional na vida cotidiana, como agora, no desastre aéreo ocorrido em São Paulo. Foram registradas cenas de enredo cinematográfico fantástico, mas com pessoas reais em desespero, diante da fatalidade .
A 23/4, o mundo literário comemora o nascimento do poeta JORGE DE LIMA (União dos Palmares – AL, 1893), que faleceu no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1953, aos 60 anos. (Iremar Marinho)