Causa Operária TV
Na segunda-feira (7/3), durante o plantão especial feita pela Causa Operária TV para cobrir o conflito entre Rússia e Ucrânia, o ucraniano Dmytro Khavro, residente em Lisboa, concedeu uma entrevista exclusiva relatando sua experiência com o regime ucraniano ao longo dos anos, assim como a influência do imperialismo e a manipulação da imprensa. A entrevista completa poderá ser acessada no final desta matéria.
Dmytro saiu da Ucrânia por volta dos anos 2000, mas sempre voltou para visitar a família, cuja boa parte ainda reside no país. Ele relata que isso mudou em 2014, com o golpe conhecido como Euromaidan: “Na verdade, mesmo que eu quisesse visitar, a partir de 2014 não o conseguia fazer porque a minha opinião política não é bem-vinda lá.”
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Ao ser perguntado sobre a recepção aos opositores na Ucrânia, Dmytro afirmou que: “Eles não são bem-vindos. Tanto políticos, quanto a imprensa, quanto pessoas normais. […] você não pode dizer na Ucrânia que você não apoia o golpe de Estado, ou dizer que você é comunista ou que você apoia o comunismo […] Na Ucrânia é proibido o Partido Comunista, e essa simpatização ao Partido Comunista.” Khavro relatou que conheceu alguns casos de repressão, como um cidadão que foi preso por 5 anos após curtir um post na rede social Facebook que continha a foice e o martelo, um símbolo comunista.
Nazistas ucranianos são armados e financiados por EUA e Israel
Eu não conheço ninguém atualmente na Ucrânia que seja opositor e que não esteja a ser perseguido. Mas conheço muita gente que foi obrigada a fugir, tanto pra Europa quanto pra Rússia por posições políticas que não são permitidas na Ucrânia.
Ao consultarmos outras fontes além da imprensa burguesa, é possível encontrar diversos soldados ucranianos utilizando símbolos nazistas, assim como registro de diversos feitos horrendos cometidos pelo governo contra a população. Sobre a presença do nazismo no aparato estatal, Dmytro afirma que “Você não vai ver suásticas no governo, nem emblemas de batalhões SS no parlamento ucraniano. No entanto, o parlamento, e no caso de Poroshenko [antecessor de Zelensky e primeiro presidente após o Euromaidan] também, eles abertamente, para além de financiarem, ainda dão medalhas. Poroshenko pessoalmente deu uma medalha de honra a um soldado ucraniano que […] nas redes sociais dele você vai ver fotografias de Adolf Hitler, suásticas […] O governo em si não é nazista, mas ele promove os nazistas. Assim seria mais correto dizer.”
A política institucional na Ucrânia é muito influenciada por esses grupos nazistas ainda?
“Sim, continua a ser muito influenciada […] O Pravy Sektor (Setor Direito) foi a força principal que fez o golpe de Estado de 2014. Essencialmente era constituído por jovens e, depois de ocorrer o golpe de Estado, houve pessoas que pertenciam ao Setor Direito que chegaram ao poder. Atualmente não há ninguém que esteja diretamente no Setor Direito no governo, mas há deputados que tiram fotos com bandeiras e emblemas do Setor Direito e outros batalhões, como o Azov.“, afirmou Dmytro fazendo referência aos grupos reconhecidos como principais perseguidores da oposição, que ostentam símbolos nazistas em seus uniformes e crucificam e queimam os discordantes do governo e do golpe.
Apesar da propaganda imperialista, muitos fatores que ocorrem na Ucrânia, longe dos olhos dos trabalhadores mundialmente, têm vindo à tona. É evidente, por exemplo, considerando as diversas sanções aplicadas a Rússia pelos Estados Unidos e diversos países europeus, que existe uma espécie de “russofobia” crescendo sem precedentes, tendo como sua origem principal, a Ucrânia.
“Sim, [a russofobia] existe. Pela minha experiência, metade da população fala russo e hoje em dia você não pode falar russo, pois você pode ser multado. A razão principal é mesmo provocar a Rússia porque, [poderia ser] com a Hungria, porque a Ucrânia também tem pessoas que falam húngaro. A razão principal é mesmo provocar a Rússia […] Não só com a língua, há muitos outros problemas que eles têm criado para aqueles que falam russo e sentem que têm alguma proximidade com o povo da Rússia.”, afirmou Dmytro.
O pontapé inicial de tudo isso foi o golpe de 2014, o Euromaidan, apoiado em peso pelo imperialismo. De acordo com a vivência de Dmytro, “esse golpe foi muito apoiado e financiado, não só diretamente pelos EUA como também pelos oligarcas que assumiram o poder depois de ocorrer o golpe de Estado”. “Esse golpe ocorreu precisamente depois dele [Yanukovych, presidente ucraniano deposto pelo golpe] ter negado assinar um documento com a União Europeia, que não era vantajoso para a Ucrânia”, completou.
A partir deste momento, a imprensa burguesa colocou seu plano em ação, e a manipulação tinha sido iniciada, como conta Dmytro: “Com apoio da imprensa, começaram a mostrar imagens de policiais que atacam os ucranianos, e diziam na imprensa que esses policiais eram pagos por Yanukovych. A propaganda começou a aumentar, mesmo na altura do Euromaidan porque o Yanukovych cometeu, na minha opinião, um erro muito grave, que foi não controlar a imprensa.”
Khavro afirma que um grande problema é que os oligarcas controlavam a imprensa, e queriam subir ao poder. De acordo com seus relatos, a propaganda era tão forte e impulsionada que as pessoas começaram a sair às ruas para reclamar de situações que, na realidade, nunca tinha acontecido: “Começaram a reclamar pelo fato de policiais terem atacado e morto manifestantes, e era mentira, isso nunca aconteceu. Com a ajuda da imprensa eles conseguiram trazer milhões de pessoas para a rua e depois o que aconteceu foi o golpe de Estado. A situação foi ficando cada vez pior, houve cada vez mais violência entre os protestantes e a polícia. Os protestantes não eram poucos, eram milhões de pessoas. Yanukovych foi obrigado a fugir do país.”
Qual o nível de influência dos EUA e da União Europeia nos governos Poroshenko e Zelensky?
“Qualquer notícia que a OTAN apresente, qualquer posição que a OTAN tome, a Ucrânia está sempre do lado da OTAN. Desde 2014, sempre esteve. […] Biden, depois de ocorrer o golpe de Estado, chegou à Ucrânia e sentou-se no lugar do presidente da Ucrânia para discutir o rumo que a Ucrânia vai tomar depois do golpe de Estado.”, relembrou Dmytro ao contar um caso escandaloso, porém ignorado por boa parte daqueles que afirmam não existir influência imperialista no país.
“Eu sou contra qualquer tipo de guerra […], mas para nós entendermos o conflito é importante que nós discutamos aqui tudo que aconteceu antes, desde 2014. O presidente da Rússia não acordou num dia assim e, por acaso, decidiu invadir a Ucrânia, como muitos pensam. Houve uma história muito grande que aconteceu antes de tudo isso. A OTAN já fez exercícios militares na Ucrânia junto com soldados ucranianos. […] Houve também várias missões da OTAN na Ucrânia, missões de treinamentos dos militares ucranianos, armamento, financiamento. A Ucrânia está quase que totalmente dependente daquilo que a OTAN faz, do dinheiro que eles dão e das armas que eles dão.”
O conflito no Donbass
Dentre as diversas situações de opressão da população que poderíamos citar nos últimos 8 anos de golpe na Ucrânia, o mais significativo, e também um dos mais ignorados pela imprensa imperialista, é o conflito em Donbass e a independência das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk. Dmytro, que afirma possuir familiares no Donbass, conta-nos: “O que levou à formação das Repúblicas Populares de Donetsk e de Lugansk foi precisamente o golpe de Estado, porque depois do golpe de Estado chegaram pessoas ao poder sem qualquer tipo de eleições […] as pessoas simplesmente chegaram ao parlamento com armas e disseram ‘agora, aqui o governo somos nós’.”
Khavro afirmou que muitos deles faziam parte ou apoiavam o Setor Direito e tinham visões até anti-russas, esbanjando palavras de ordem como ‘Russos fora da Ucrânia’ ou ’matar os russos’. De acordo com seu relato, Donbass não gostou nem apoiou o governo, tendo sido formadas então as Repúblicas Populares.
Trazendo novamente a questão da russofobia, é possível formar mais um exemplo com a situação dos povos do Donbass, constantemente ignorados pela dita “comunidade internacional”, que agora corre para defender os ucranianos. Dmytro afirma estar de “saco cheio” com essa situação: “As milícias de Donbass não são militares profissionais, não foram treinados pela OTAN. Eles não têm a capacidade de combater como tem o Batalhão Azov — muitos deles participaram já em guerras, são militares, foram treinados pela OTAN, têm armamento da OTAN. As milícias de Donetsk e Lugansk são pessoas a maioria das quais não teve qualquer preparação militar e, portanto, o que aconteceu foi um massacre. Pra não falar na diferença de números, porque o exército ucraniano é muito maior do que o das repúblicas populares.”
Dmytro afirmou também que mostrar o outro lado de qualquer conflito que não esteja ao lado do imperialismo não é de interesse da imprensa burguesa, que, por sua vez, se guia pelos EUA ou pela UE, como vemos, por exemplo, na Palestina: “Não é permitido você acessar um site da imprensa russa aqui na Europa. Isso mostra o quanto o governo aqui está desesperado em evitar que as pessoas saibam a outra parte do conflito […] não é do interesse nem da OTAN nem dos EUA.”
O que os ucranianos pensam de Poroshenko e Zelensky?
“Neste momento, o governo controla toda a imprensa na Ucrânia. Qualquer outra imprensa que critique o governo não é permitida na Ucrânia. Você não pode criticar o governo […] 6 canais televisivos foram bloqueados, proibidos de transmitir só no governo do Zelensky porque foram acusados de propaganda contra o governo.[…] a maioria [da população] não apoia, pelo menos antes da intervenção da Rússia. Por mais propaganda que se faça, as pessoas vão ficando cada vez mais pobres. Conforme isso acontece, a propaganda não funciona assim tão bem. […] Poroshenko, nas últimas eleições, teve o apoio de 8% da população. Zelensky, atualmente, segundo os dados do próprio governo, portanto não posso dizer que podemos confiar nesses dados, tem 25%”, relatou Dmytro, que também afirmou que em Donetsk e Lugansk isso é diferente e dificilmente alguém apoia Zelensky ou Poroshenko.
Quanto ao contato com a família, Dmytro relatou que sente receio do que pode acontecer com seus parentes, mas prefere não comentar ou convencê-los de que o governo está errado, uma vez que a maioria, de acordo com seu relato, apoia o governo e o exército, acreditando que há 8 anos estão em guerra contra o exército russo por conta da intensa propaganda. Khavro afirma que dessa maneira sua segurança é mais garantida, uma vez que qualquer um que expressar ser contrário a essas colocações é preso imediatamente.
Assista à entrevista completa aqui: